Sífilis

Definição e agente causador da sífilis

A sífilis é uma infecção bacteriana sistêmica, crônica, curável e exclusiva do ser humano. Quando não tratada, evolui para estágios de gravidade variada, podendo acometer diversos órgãos e sistemas do corpo.

Trata-se de uma doença conhecida há séculos; seu agente etiológico, descoberto em 1905, é o Treponema pallidum. Sua transmissão se dá principalmente por contato sexual; contudo, pode ser transmitida verticalmente para o feto durante a gestação de uma mulher com sífilis não tratada ou tratada de forma não adequada.

A maioria das pessoas com sífilis são assintomáticas; quando apresentam sinais e sintomas, muitas vezes não os percebem ou valorizam, e podem, sem saber, transmitir a infecção aos seus parceiros sexuais. Quando não tratada, a sífilis pode evoluir para formas mais graves, comprometendo especialmente os sistemas nervoso e cardiovascular

Na gestação, a sífilis pode apresentar consequências severas, como abortamento, prematuridade, natimortalidade, manifestações congênitas precoces ou tardias e morte do recém-nascido (RN).

Microscopia eletrônica: Treponema pallidum

A sífilis está crescendo novamente?

O Brasil, assim como muitos países, apresenta uma re-emergência da doença. Diante disso, os profissionais de saúde devem estar aptos a reconhecer as manifestações clínicas, conhecer os testes diagnósticos disponíveis, e, principalmente, saber interpretar o resultado do exame para diagnóstico e controle de tratamento.

Como é a transmissão da sífilis?

A- Nas relações sexuais: a transmissibilidade da sífilis é maior nos estágios iniciais (sífilis primária e secundária). Essa maior transmissibilidade explica-se pela riqueza de treponemas nas lesões, comuns na sífilis primária (cancro duro) e secundária (lesões muco-cutâneas). As espiroquetas penetram diretamente nas membranas mucosas ou entram por abrasões na pele.

Vale a pena ressaltar que, no primeiro ano de latência (sem sinais), 25% dos pacientes apresentam recrudescimento (volta) das lesões secundárias e, portanto, pode haver a transmissão. Essas lesões se tornam raras ou inexistentes a partir do segundo ano da doença.

B- Em gestantes (transmissão vertical): de sífilis da mãe com sífilis para o feto é de até 80% intraútero. Essa forma de transmissão ainda pode ocorrer durante o parto vaginal, se a mãe apresentar alguma lesão sifilítica. A infecção fetal é influenciada pelo estágio da doença na mãe (maior nos estágios primário e secundário) e pelo tempo em que o feto foi exposto. Tal acometimento fetal provoca entre 30% a 50% dos fetos intra-útero, parto pré-termo ou morte neonatal.

Classificação clínica da sífilis

A classificação clínica tem grande importância na programação terapêutica, uma vez, que o paciente pode procurar atendimento médico em diferentes estágios da doença:

Sífilis primária: o tempo de incubação é de dez a 90 dias (média de três semanas). A primeira manifestação é caracterizada por uma úlcera rica em treponemas, geralmente única e indolor, com borda bem definida e regular, base endurecida e fundo limpo, que ocorre no local de entrada da bactéria (pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus, boca, ou outros locais do tegumento), sendo denominada “cancro duro”.

A lesão primária pode ser acompanhada de linfadenopatia regional (acometendo linfonodos localizados próximos ao cancro duro). Sua duração pode variar muito, em geral de três a oito semanas, e seu desaparecimento independe de tratamento. Pode não ser notada ou não ser valorizada pelo paciente. Embora menos frequente, em alguns casos a lesão primária pode ser múltipla.

Sífilis secundária: ocorre em média entre seis semanas a seis meses após a cicatrização do cancro, ainda que manifestações iniciais, recorrentes ou subentrantes do secundarismo possam ocorrer em um período de até um ano. Excepcionalmente, as lesões podem ocorrer em concomitância com a manifestação primária. As manifestações são muito variáveis, mas tendem a seguir uma cronologia própria.

Inicialmente, apresenta-se uma erupção macular eritematosa pouco visível (roséola), principalmente no tronco e raiz dos membros. Nessa fase, são comuns as placas mucosas, assim como lesões acinzentadas e pouco visíveis nas mucosas. As lesões cutâneas progridem para lesões mais evidentes, papulosas eritematosas castanhadas, que podem atingir todo o tegumento, sendo frequentes nos genitais. Habitualmente, atingem a região plantar e palmar, com um colarinho de escamação característico, em geral não pruriginosa.

Mais adiante, podem ser identificados condilomas planos nas dobras mucosas, especialmente na área anogenital. Estas são lesões úmidas e vegetantes que frequentemente são confundidas com as verrugas anogenitais causadas pelo HPV.

Alopecia em clareiras e madarose são achados eventuais. O secundarismo é acompanhado de micropoliadenopatia, sendo característica a identificação dos gânglios epitrocleares. São comuns sintomas inespecíficos como febre baixa, mal-estar, cefaléia e adinamia. A sintomatologia desaparece em algumas semanas, independentemente de tratamento, trazendo a falsa impressão de cura.

Sífilis secundária, lesões cutâneas

Sífilis latente: período em que não se observa nenhum sinal ou sintoma. O diagnóstico faz-se exclusivamente pela reatividade dos testes treponêmicos e não treponêmicos. A maioria dos diagnósticos ocorre nesse estágio. A sífilis latente é dividida em latente recente (até um ano de infecção) e latente tardia (mais de um ano de infecção). Aproximadamente 25% dos pacientes não tratados intercalam lesões de secundarismo com os períodos de latência.

Sífilis terciária: ocorre aproximadamente em 15% a 25% das infecções não tratadas, após um período variável de latência, podendo surgir entre 1 e 40 anos depois do início da infecção. A inflamação causada pela sífilis nesse estágio provoca destruição tecidual. É comum o acometimento do sistema nervoso e do sistema cardiovascular. Além disso, verifica-se a formação de gomas sifilíticas (tumorações com tendência a liquefação) na pele, mucosas, ossos ou qualquer tecido. As lesões podem causar desfiguração, incapacidade e até morte.

Diagnóstico da sífilis

O diagnóstico de sífilis exige uma correlação entre dados clínicos, resultados de testes laboratoriais, histórico de infecções passadas e investigação de exposição recente. Apenas o conjunto de todas essas informações permitirá a correta avaliação diagnóstica de cada caso e, consequentemente, o tratamento adequado.

A presença de sinais e sintomas compatíveis com sífilis (primária, secundária e terciária) favorecem a suspeição clínica. Entretanto, não há sinal ou sintoma patognomônico (que só existe na sífilis) da doença.

Portanto, para a confirmação do diagnóstico é necessária a solicitação de testes diagnósticos. Nas fases sintomáticas, é possível a realização de exames diretos, enquanto os testes imunológicos podem ser utilizados tanto na fase sintomática quanto na fase de latência.

Testes sorológicos para sífilis

De acordo com a Portaria N° 3.242, do Ministério da Saúde, de 30/12/2011, as amostras de pacientes com suspeição diagnóstica para sífilis são inicialmente submetidas a um teste treponêmico de quimioluminescência (CMIA), que é altamente sensível e específico. A seguir, as amostras reagentes ao CMIA passam por um teste não treponêmico, o RPR  (rapid plasm reagin), que é uma reação de floculação que equivale, na prática, ao tradicional VDRL, mas com maior sensibilidade. Se os resultados forem concordantes, o resultado final é liberado como reagente. Caso haja discordância, a confirmação pede um segundo imunoensaio treponêmico (EIE).

Tratamento da sífilis

A benzilpenicilina benzatina é o medicamento de escolha para o tratamento de sífilis, sendo a única droga com eficácia documentada durante a gestação. Não há evidências de resistência de T. pallidum à penicilina no Brasil e no mundo. A regra é que o intervalo entre as doses seja de 7 dias para completar o tratamento. No entanto, caso esse intervalo ultrapasse 14 dias, o esquema deve ser reiniciado.

Outras opções para não gestantes, como a doxiciclina e a ceftriaxona, devem ser usadas somente em conjunto com um acompanhamento clínico e laboratorial rigoroso, para garantir resposta clínica e cura sorológica.

• Sífilis recente
: sífilis primária, secundária e latente recente (com até um ano de evolução): Benzilpenicilina benzatina 2,4 milhões UI, IM, dose única (1,2 milhão UI em cada glúteo)

• Sífilis tardia: sífilis latente tardia (com mais de um ano de evolução) ou latente com duração ignorada e sífilis terciária: Benzilpenicilina benzatina 2,4 milhões UI, IM, 1x/semana (1,2 milhão UI em cada glúteo) por 3 semanas (7/7 dias), com dose acumulada: 7,2 milhões UI, IM

• Neurossífilis: Benzilpenicilina potássica/cristalina 18-24 milhões UI, 1x/ dia, EV, administrada em doses de 3-4 milhões UI, a cada 4 horas ou por infusão contínua, por 14 dias

Seguimento da sífilis:

Para o seguimento do paciente, os testes não treponêmicos (ex.: VDRL/ RPR) devem ser realizados mensalmente nas gestantes e, no restante da população, a cada três meses até o 12º mês do acompanhamento do paciente (3, 6, 9 e 12 meses).

A pessoa tratada com sucesso pode ser liberada de novas coletas após um ano de seguimento pós tratamento. Entretanto, a aquisição de uma nova DST, especialmente sífilis, é um fator de risco para outras doenças.

Deve ser fortemente considerada a realização de rastreamento de acordo com a história sexual e o gerenciamento de risco para sífilis e outras DST na população de pessoas curadas de sífilis.

Tradicionalmente, é indicação de sucesso de tratamento a ocorrência de diminuição da titulação em duas diluições dos testes não treponêmicos em até três meses e quatro diluições até seis meses, com evolução até a sororreversão (teste não treponêmico não reagente). Essa resposta é mais comum em pessoas de menos idade, com títulos não treponêmicos mais altos no início do tratamento e em estágios mais recentes da infecção (sífilis primária, secundária e latente recente).

Mesmo que ocorra resposta adequada ao tratamento, o seguimento clínico deve continuar, com o objetivo de monitorar possível reativação ou reinfecção. Atualmente, para definição de resposta imunológica adequada, utiliza-se o teste não treponêmico não reagente ou uma queda na titulação em duas diluições em até seis meses para sífilis recente e queda na titulação em duas diluições em até 12 meses para sífilis tardia.

Quanto mais precoce for o diagnóstico e o tratamento, mais rapidamente haverá desaparecimento dos anticorpos circulantes e consequente negativação dos testes não treponêmicos, ou, ainda, sua estabilização em títulos baixos.

Deve-se realizar a coleta do teste não treponêmico, sempre que possível, no início do tratamento (idealmente, no primeiro dia de tratamento), uma vez que, os títulos podem aumentar significativamente se o tratamento só for iniciado após alguns dias do diagnóstico. Isso é importante para documentação da titulação no momento do início do tratamento e servirá como base para o monitoramento clínico.

A persistência de resultados reagentes em testes não treponêmicos após o tratamento adequado e com queda prévia da titulação em pelo menos duas diluições, quando descartada nova exposição de risco durante o período analisado, é chamada de “cicatriz sorológica” e não caracteriza falha terapêutica.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-atencao-integral-pessoas-com-infeccoes

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